segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Metallica: banda é trazida de forma enciclopédica

Resenha do livro lançado por Jerry Ewing e Malcolm Dome

Em maio passado a editora Beast Books lançou o livro “Enciclopédia Metallica”, que documenta a banda desde os primórdios, no começo dos anos 1980, até meados de 2007. Contendo índice de “A” a “Z”, a obra traz tudo que envolve o METALLICA: músicas, discos, membros passados e presentes, shows, influências, etc. Os autores são dois experientes jornalistas ingleses, Jerry Ewing e Malcolm Dome, que têm passagens por renomadas revistas como Kerrang!, Classic Rock, Metal Hammer e Maxim, além de terem programas em rádios dedicadas ao rock.

Muito bem descrita pelos autores, a história do Metallica passa por morte, insanidade, amargura, vícios, controvérsia, contratações, demissões e terapeutas. “Esses caras superaram acusações de terem ‘se vendido’ para manter sua integridade. Eles podem ter cometido enormes erros comerciais e artísticos, mas fizeram tudo de seu jeito”, defendem de antemão os escritores, já no capítulo introdutório do livro.

Tão simples quanto eficaz é a didática do livro, que serve tanto aos aficionados quanto os recém-metaleiros. E o ‘assunto’ ajuda, afinal estamos falando de uma das pioneiras bandas a evoluir a partir do estilo heavy metal, a lançar um álbum somente de covers e a produzir um disco de rock pesado com apoio de uma orquestra sinfônica. É, os rapazes originários de São Francisco e radicados em Los Angeles têm muita bagagem nessas três décadas de trajetória.

O livro descontrai os leitores quando apresenta alguns lances engraçados, como o de Michael Alago, executivo da gravadora Elektra e um dos possíveis ‘descobridores’ do METALLICA, que fez alusões de algum tipo de ligação homossexual com Lars Ulrich e James Hetfield. Também consta a origem do apelido de “Alcoholica”, dado por volta de 1985 pela inclinação dos músicos por bebidas de natureza alcoólica. A banda-paródia BEATALLICA, que decidiu unir a música dos BEATLES com o METALLICA, é também lembrada, do mesmo modo que os três nomes descartados por Ulrich e Hetfield – Blitzer, Grinder e Red Vette.

Com ênfase é falado da admiração, principalmente de Lars, pelo grupo DIAMOND HEAD, assim como do traumático episódio da morte do baixista Cliff Burton vítima de acidente de ônibus na Suécia em setembro de 1986. “O METALLICA sofreu talvez o maior baque de sua história”, classificam os autores. “Dizer que sua morte foi trágica é só uma atenuação. Sugerir que só foi depois de sua morte que os fãs, a mídia e a indústria reconheceram sua crucial importância para a banda é justo e preciso”, analisam.

Os jornalistas falam bastante de Burton. “Ele teve o insight, a perspicácia e a inteligência de ver o potencial musical que o METALLICA carregava”, apontam. O livro traz os detalhes – já conhecidos, é verdade – acerca da tragédia com o baixista. “Cliff Burton deu muito pelo METALLICA, musicalmente e em termos de imagem. Sem dúvida, sua contribuição foi imensurável, maior que os quatro anos em que ele esteve com o grupo. Seu legado nunca será esquecido”, sentenciam.

Apesar de o livro ser composto de tópicos conforme a letra, existem análises aprofundadas e contendo de maneira perceptível a opinião dos autores a respeito dos fatores envolvendo a banda. Os jornalistas, por exemplo, pegam pesado sobre o controverso álbum “St. Anger” e algumas músicas dos discos “Load” e “ReLoad”. Apesar de não concordarem, enfatizam em vários trechos os fatos que levaram a banda a acusações de terem abandonado suas raízes tradicionais em busca da aprovação de outras áreas dos negócios musicais.

Uma banda à venda

Conforme é argumentado, a sina de ‘vendido’ acompanha o grupo desde a música “Fade To Black”, do álbum “Ride The Lightning”, do longínquo ano de 1984. “É o primeiro movimento da banda para dentro do território das baladas. Não é novidade que ela surgiu acompanhada de uma porção de acusações de que a banda havia se vendido, vindo de fãs de thrash desapontados com a música”, descrevem os jornalistas. Parece coisa pré-destinada, mas foi durante esta canção que Hetfield sofreu queimaduras em sua mão e braço em um show de 1992 na cidade de Montreal (Canadá), na mini-turnê conjunta com o GUNS N’ ROSES.

A obra literária traz o significado e discussões a respeito de praticamente todas as músicas lançadas pela banda até meados de 2007, enfocando principalmente a participação de Hetfield nas letras. O guitarrista-base e vocalista tem grande interesse em literatura contemporânea e nas injustiças causadas pela guerra, religião e política, além de expressar em letras musicais muitos traumas vivenciados na infância e adolescência dentro uma família desunida e fanática religiosa. Lendo-se a “Enciclopédia Metallica”, é perceptível a grandeza das histórias por detrás das canções do grupo.

Os jornalistas fazem – muito bem, por sinal – às vezes de psicólogos ao descreverem características pessoais do líder da banda, como em determinado trecho na página 52: “O fato de Hetfield ter crescido à sombra da escravidão de seus pais à Ciência Cristã é citado muitas vezes como fonte de muita da alienação que ele sentiu quando jovem e que, em outro patamar, ajudou a moldar a personalidade do jovem que se formaria no METALLICA”. A título de curiosidade, o vocalista é notório caçador, adorador de carros, ávido fã do time de futebol americano Oakland Raiders e de guitarras antigas.

Os atritos com o guitarrista Dave Mustaine são citados no livro, que aborda o impacto imenso da morte do baixista para Hetfield. “Boatos sugerem que Burton estava dormindo na verdade na cama de Hetfield na hora. O efeito disso em James foi imenso. Esse terrível acidente talvez explique o motivo de seu substituto, Jason Newsted, nunca parecer ser totalmente bem-vindo no METALLICA, e o motivo de Hetfield usar o anel de caveira de Burton na mão direita desde então”, teorizam os autores.

Napster no caminho

Como não poderia faltar, há no livro o ‘delicado’ tema do Napster, o programa de compartilhamento de arquivos – principalmente do tipo mp3 – do qual o METALLICA se tornaria inimigo. Para maior compreensão do tema, os escritores fazem questão de lembrar que a discórdia do grupo com o programa criado por Shawn Fanning e Sean Parker em 1999 se iniciou quando houve a descoberta de que a demo da música “I Disappear”, até então a inédita trilha do filme “Missão Impossível 2”, estava on-line de modo ilegal e depois junto de todo o catálogo da banda.

Em alguns trechos do livro é mencionado que a banda acabou sendo excessivamente criticada por seu posicionamento contrário ao compartilhamento de arquivos na Internet e que levaria ao fechamento do Napster. Há quem diga que o grupo foi hipócrita, uma vez que em 1991 lançou a ‘Taper Section’ nos shows, onde fãs eram encorajados a levar seu equipamento para gravar e então levar para casa o próprio bootleg. A banda tem o LiveMetalica.com, um lugar para o dowload (pago, é claro) de shows completos. “Alguns podem ver como algo hipócrita, não menos importante do que quando o METALLICA recebeu enormes benefícios da troca de fitas na cena thrash metal”, argumentam os jornalistas.

De acordo com Dome e Ewing, o ‘caso Napster’ é principalmente “moral, econômico e legal, que colocou muitos contra o METALLICA, acreditando que eles mostraram uma face gananciosa e que vai contra tudo o que sempre pregaram”. Os mais radicais alegaram que no começo da carreira a banda incentivou o bootleging, que na época era uma aparente ameaça à indústria. Ou seja, estariam sendo contraditórios. Os autores apontam as diferenças: “A troca de fitas era uma forma rápida de espalhar a banda pelo mundo, já que ela não tinha exposição na mídia. Não havia copyright para proteger, tudo era usado como ferramenta promocional”.

Os escritores explicam com exatidão que, independente de quais sejam os prós e os contras do compartilhamento de músicas pelo computador, o METALLICA fez um “enorme gol contra” se envolvendo no problema, indo de ‘banda da galera’ a ‘patinhos feios da indústria musical’. “Até hoje não conseguiram se recuperar disso”, citam os jornalistas. “Era o Napster pernicioso e malvado? Era o METALLICA artista maligno? A verdade está provavelmente entre um e outro”, completam.

O guitarrista-solo Kirk Hammett ganha também um merecido espaço pelos autores do livro; dos abusos sofridos quando criança até a entrada no METALLICA, em abril de 1983, no lugar do polêmico Dave Mustaine, Hammett é descrito como uma peça fundamental para moldar o som da banda. Segundo os autores, é entendível que o guitarrista tenha brigado para que incluíssem solos de guitarra em “St. Anger”, mas lhe foi negado. É reproduzida uma fala do próprio músico, na qual se defende: “Tentamos colocar solos nele, mas eles soavam como um adendo”. Então tá!

Polêmicos Mustaine e Newsted

A enciclopédia reconhece todo o talento e a controvérsia envolvendo Dave Mustaine, que apesar dos breves 14 meses integrando o METALLICA deixou sua marca, sabendo da enorme contribuição que deu à banda além dos riffs de guitarra. Os jornalistas chegam a dizer que, ao se ouvir as primeiras demos, fica clara a posição do polêmico músico como líder. “Mustaine foi embora com seu ego ferido e montou sua própria banda, o MEGADETH”, relata o livro. E as trocas de farpas entre Mustaine e a dupla Hetfield-Ulrich são de amplo conhecimento dos fãs, não sendo necessário descrevê-las com mais detalhes.

Jason Newsted, que substituiu Cliff Burton no baixo, é bastante comentado no livro. Para os detratores do músico, os jornalistas lembram que ele não teve ‘culpa’ de nada, foram os três membros remanescentes do grupo que decidiram continuar. “Pode alguém culpar o jovem Jason por ter aceitado o trabalho?”, indagam. Em janeiro de 2001, Newsted sairia do METALLICA depois de 14 anos e uma frase do baixista sobre o que esperava do disco “St. Anger” mostra um típico rancor de ex-membro de banda de rock: “O que eles estão fazendo agora é algo obviamente pelo dinheiro e não tem nada a ver com a música pela qual lutamos”.

Dentre os colaboradores da banda, destaque para o produtor Bob Rock, que trabalhou no momento mais produtivo do METALLICA, desde “The Black Album”, de 1991, até “St. Anger”, de 2003; para os jornalistas, o primeiro disco é o “ponto alto” da colaboração, enquanto o segundo, o “desastre”. Frise-se, as opiniões são por conta dos dois autores do livro. Para não haver injustiças contra Bob, o livro esclarece que o controverso álbum feito de modo extremamente cru e sem solos de guitarra é ‘apenas’ o motivo pelo qual os músicos ainda formam uma banda. Quem assistiu ao documentário “Some Kind Of Monster”, de 2004, sabe bem disso.

Um dos últimos personagens a entrar para o grupo é baixista Rob Trujillo, que sucedeu Jason Newsted. Sim, aquele mesmo a quem foi ofertado U$ 1 milhão como adiantamento para entrar na banda – conforme pode ser visto no documentário dos produtores/diretores Joe Berlinger e Bruce Sinofsky. O fato de Trujillo tocar com os dedos (assim como Burton), e não com a palheta (igual a Newsted), é um fator positivo na opinião dos escritores. “Ao vivo, se encaixou melhor à banda do que Newsted”, opinam. Dome e Ewing acreditam que o METALLICA “aprendeu com seus erros com Newsted”.

O cerebral baterista

Já na parte final do livro é contada a história do baterista Lars Ulrich, um sujeito de grande visão, aptidão aos negócios e senso de unidade. Da ‘paixão’ pelo DEEP PURPLE com apenas nove anos, depois na adolescência pelo MACHINE HEAD, até a publicação do classificado de jornal que o levaria a ter contato com James Hetfield, o baterista é prato cheio de causos. O modo nada convencional de tocar bateria, que gera inclusive críticas ridicularizadas da mídia, e a polêmica contra o Napster, por ser o porta-voz da banda na ocasião, são mencionados com destaque na obra literária.

“Ele que levou o METALLICA para a maioria das novidades musicais e desafios, quando, por exemplo, disse estar apaixonado pelo OASIS na época do “Load” e “ReLoad”, e é o único membro a ainda defender o “St. Anger””, ressaltam os jornalistas. Ulrich também é aquele, dentro da banda, que cultiva uma gama maior de amizades no mundo artístico/ musical, em contrapartida ao carrancudo e invocado Hetfield. De qualquer modo, o baterista é quem dá força às músicas, sendo visto ainda como “o perspicaz, inteligente e rude homem de negócios”.

Com exatas 191 páginas, a “Enciclopédia Metallica” se mostra não apenas como uma coleção de verbetes contendo várias ilustrações e curiosidades sobre o fantástico grupo de rock californiano em suas três décadas, mas sim uma obra completa e com certa profundidade. A capa traz o logo da banda e a já famosa cobra enrolada (da bandeira Gadsden), vista duas décadas atrás na capa do “The Black Album”. A diferença fica por conta da cor utilizada, o vermelho, nos induzindo a classificar esta obra como “The Red Book” do METALLICA.

Enfim, a Beast Books tem se mostrado como uma nova opção para amantes de rock e cultura como um todo. Voltada para livros musicais, com enfoque no rock e no metal, a etiqueta literária vem trazendo novos títulos de grandes artistas do universo roqueiro. O primeiro livro da editora sediada em Santos/SP foi “30 Anos Da Besta”, sobre o IRON MAIDEN, e o terceiro e mais recente foi “Guns N’ Roses – A Banda Que O Tempo Esqueceu”, sobre o grupo de Axl Rose. E que venham mais obras!

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