“Antes de sua ascensão a glória, o Guns N’ Roses pastou para sair das ruas para trazer o rock inconseqüente de volta dos mortos.”
Slash e o baterista Steven Adler – amigos desde que freqüentavam (a escola pública de segundo grau) Fairfax High em Hollywood juntos – ainda estavam penando como uma banda de dois membros sem perspectivas na primavera de 1985. “O principal problema,” lembra Slash, “era que nós tínhamos uma grande banda pequena, mas nunca tínhamos conseguido achar um vocalista”. Slash já tinha tocado em shows com algumas outras bandas também, mas nada tinha dado muito certo. Quando o baixista Duff McKagan telefonou e pediu a eles que se juntasse ao Guns N’ Roses para uma série de shows de abertura que ele tinha acertado com uma banda de Seattle pra qual ele já tinha tocado chamada The Fastback, Slash aceitou – ainda que no fundo, ele visse os shows como uma maneira de roubar Axl Rose do GN’R e do guitarrista-base Izzy Stradlin e adiciona-lo a sua própria banda.
Slash disse que não queria trabalhar com Izzy de modo algum. “Eu não queria trabalhar com nenhum outro guitarrista porque eu nunca tinha feito isso antes. Eu não poderia ter controle sobre o que estava acontecendo, no que tange a guitarras. O que eu queria era roubar Axl do Izzy, o que era simplesmente impossível. Daí recebi essa ligação com eles dizendo 'você quer tocar com a gente?’ A princípio, eu não queria, porque eu e o Axl tínhamos nos estranhado bem recentemente (então).”
Cerca de seis meses antes, no fim de 1984, Slash tinha tocado em alguns shows com a Hollywood Rose – a banda anterior de Izzy Stradlin e Axl Rose depois que o guitarrista original da banda tinha saído. Slash também tinha deixado Axl, que era essencialmente um indigente sem-teto na época, dormir na casa de sua avó, na própria cama dele (Slash) enquanto ele trabalhava numa banca de jornal durante o dia. Quando Slash chegava em casa, Axl acordava e os dois iam ensaiar. Mas um dia houve um problema quando a tal avó quis assistir televisão e pediu a Axl que saísse do sofá dela. Axl mandou a velha senhora se foder. Slash ficou sabendo disso e a caminho dos ensaios, sugeriu a Axl que ele se desculpasse. Axl projetou um olhar estranho e começou a se inclinar pra frente e pra trás no assento do passageiro. Daí ele pulou pra fora do carro em movimento, que estava a cerca de 60 quilômetros por hora. Ele desapareceu numa rua paralela e Slash não o viu mais por um tempo. Durante o show seguinte da banda, Slash saiu do Hollywood Rose após Axl ter atingido um fã mais afoito com uma garrafa de cerveja. Slash e sua namorada ficaram separados por um tempo, e Slash descobriu que Axl tinha transado com ela nesse meio tempo. Nessa época, Axl era auxiliar administrativo na Tower Vídeo (locadora e loja de vídeo da rede Tower, especializada em discos, e que tinha uma badalada filial do outro lado dessa mesma loja/locadora) na (Alameda de Los Angeles) Sunset, e para ficar numa boa com Slash, arrumou um emprego pra ele lá. Isso durou até Axl ser despedido por passar filmes pornôs na loja.
No fim, Slash decidiu juntar-se ao Guns N’ Roses. “Aceitei porque era isso que estava rolando na época. Era a única banda que eu achei com a qual poderia estabelecer uma ligação.”
Steven Adler estava muito mais animado. “Eu disse pro Slash. ‘Se a gente conseguir aquele vocalista e aquele guitarrista, teremos uma banda do caralho!’”
O primeiro ensaio da nova banda foi num estúdio em Silver Lake (arredores de Los Angeles). Alguém distraiu Steven enquanto Izzy e Duff esconderam todos os acessórios mais extravagantes de sua bateria, reduzindo-a de uma quase cômica armação de metal para um kit mais primitivo, voltado para a simplicidade do punk rock. Duff lembra “no momento que soamos o primeiro acorde, havia algo ali, e sabíamos disso.”
No começo, Axl ficou de pé, segurando uma cerveja e apoiando-se num amplificador, ouvido a química sônica do grupo. Daí ele começou a cantar. “De repente, Axl se ligou. Ele estava bem ali, cara. Precisou de algo pra Axl se ligar, e precisou de outro lance pra Slash se ligar, mas, quando rolou, foi demais.”
“A gente só tinha 20 anos de idade”, Duff disse “mas já nos considerávamos veteranos de verdade. Tínhamos a sensação de que aquela era a banda, é isso que temos procurado.”
Slash e Steven ensaiaram com Axl, Izzy e Duff por apenas dois dias. O primeiro show do Guns N’ Roses com sua nova formação ocorreu no (extinta casa noturna de Los Angeles) Troubador, abrindo para outra banda sem contrato numa quinta, 6 de junho de 1985. O panfleto de publicidade já esboçava uma tentativa de criar o logo da banda, com duas pistolas (do tipo alemão) Luger cruzadas, envoltas no que deveriam ser rosas, mas mais pareciam repolhos. Tracii Guns, que outrora tinha sido o lead guitar, indagou Izzy quanto à sabedoria de manter o nome antigo da banda. Izzy disse que eles manteriam a porra do nome como Guns N’ Roses, e que isso não importava: afinal, era só um nome de banda.
Na tarde do dia do show, Slash foi a Avenida Melrose, repleta de butiques da moda e roupas de segunda mão e comprou um chapéu preto de fios de brim com uma coroa de adornos em volta na (loja) Leathers 6 Treasures. Era uma homenagem visual consciente a Jimi Hendrix, e o antecessor da cartola que se tornaria sua marca registrada.
Somente algumas poucas dúzias de pessoas viram a estréia dessa formação do Guns N’ Roses, mas os que a viram, jamais a esqueceram. O GN’R tocou mais alto que bombas. Axl desarrumou e armou o cabelo pra cima com spray de laquê e mandou ver em seus extravagantes passos de palco. Izzy vestia uma camisa branca e um colete, um clone ambulante de Keith Richards, mandando licks de guitarra com bastante desenvoltura. Duff se movimentava com botas de cowboy, ancorando a banda com seus backing vocals para os uivados de Axl. Slash - de peito nu, suando profusamente - estava alternando entre riffs e solos intrincados, realmente se mostrando. Presidindo tudo de cima, estava Steven Adler na bateria, acenando com suas baquetas e seus longos cachos loiros em volta de seu rosto sorridente, parecendo um garoto em êxtase. Steven dava um ar visualmente mais catártico à banda – como um jovem David Lee Roth - contrastando com a ameaçadora presença de palco de Axl.
Eles tocaram um pouco de Stones, um pouco de Sabbath, “Mama Kin” do Aerosmith, “Nice Boys” do Rose Tattoo e músicas do Hollywood Rose. Houve uma ovação enlouquecida. No dia seguinte, eles colocaram o equipamento numa van alugada conduzida por dois roadies e seguiram pra Seattle num carro emprestado, na primeira turnê do Guns N’ Roses. A saga deles tinha realmente começado.
O equipamento saiu no começo do dia e os “gunners” partiram logo após, com Duff ao volante. A banda estava animadíssima. Eles finalmente estavam na estrada. Izzy tinha sonhado com isso desde que ele tinha 12 anos de idade. Depois de Seattle, eles tocariam em Portland, Eugene, Sacramento e São Francisco. Esses shows rendiam decentes 300 dólares por noite, os primeiros deles fora da cidade.
Duas horas depois, a norte de Fresno, numa rodovia da Califórnia, o carro quebrou. Havia fumaça saindo por debaixo do capô. Duff encostou. Em volta deles, não havia nada além de propriedades rurais desertas e o próprio deserto. Isso foi bem antes de existirem telefones celulares. O Guns N’ Roses estava perdido no meio da estrada.
Alguém mencionou voltar e ir pra casa. Izzy disse que não havia porra de maneira alguma e que ele voltaria pra casa. Ele tirou a guitarra com o estojo de dentro do porta-malas e esticou o polegar. O resto fez o mesmo, abandonando o carro ainda fumegante e começaram a caminhar rumo norte. Ninguém deu carona pra eles. Eles estavam, como disse Slash, “completamente trajados” em roupas tipicamente de rockeiros, prontos para entrar no palco. O sol do verão assou-os em suas roupas de couro. Eles não tinham água. De acordo com Slash, ele, Izzy e Steven estavam todos usando heroína, então um ou mais deles estavam provavelmente em abstinência de drogas. Eles esperaram por uma carona. E esperaram.
Carros e caminhões passavam o tempo todo. Tiraram as jaquetas e os acessórios de palco. Após muitas horas no deserto, à medida que o sol se punha, um caminhoneiro finalmente parou. Ele disse que poderia levá-los na caçamba de seu caminhão de 18 rodas vazio.
No meio da noite o caminhoneiro deixou os atordoados gunners numa saída para uma rodovia interestadual. Eles eram uma miragem, de acordo com Duff: “Cinco caras em calças listradas apertadas e de botas no meio da porra do estado de Oregon.” Eles continuaram pedindo carona.
Izzy lembrou-se de que, finalmente, duas garotas, ex-hippies de São Francisco, deram carona pra eles. “Primeiro elas passaram por nós, mas daí elas lembraram que na época de hippie delas, ninguém dava carona pra elas – então elas deram meia-volta e vieram pegar a gente.”
Os gunners estavam famintos, fracos de fome, e perguntaram se elas não tinham nada pra eles comerem. A que não estava dirigindo tinha feito uns brownies de maconha, e eles continuaram indo pro norte – num coma de fumo.
Depois de cerca de 40 horas que deixaram Hollywood, o Guns N’ Roses chegou a Seattle. A banda estava exausta e desidratada, mas bem a tempo de seu primeiro show. Não havia, entretanto, nenhum sinal de seu equipamento nem de seus roadies. O Guns N’ Roses teve que pedir a bateria e os amplificadores emprestados ao Fastback. Os esfarrapados Guns N’ Roses fediam completamente.
Izzy disse: “Havia cerca de 10 ou 20 pessoas no lugar. A gente não tinha ensaiado tanto assim. A gente não foi pago. Só piorou dali em diante.”
Na verdade, eles foram pagos sim, 50 dólares, mais comida e bebidas das garçonetes do Omni Room, que ficaram com pena deles. E quando eles ficaram sabendo que a van carregando o equipamento deles tinha quebrado perto de Santa Bárbara e não chegaria, eles foram informados pelo empresário do Fastback que o resto da “turnê” deles tinha sido cancelado.
A banda se recuperou do que Slash chama de aquela “jornada traiçoeira” na casa da família McKagan. Foi lá que Axl Rose começou a escrever letras sobre a vida que eles tinham estado vivendo nas ruas de Hollywood – um caldeirão de dureza e competição, um submundo boêmio aonde a única refeição decente vinha de uma caridade e o grau da noite era um vinho vagabundo de um dólar a garrafa que vinha forte como um trem noturno (“Night Rain”, do álbum "Apetite For Destruction").
A realidade de Hollywood para Axl Rose era trepar com alguma groupie obesa e insegura de Nebraska de modo que ele pudesse ficar na casa dela tempo suficiente pra lavar as próprias roupas e tomar uma ducha. A Hollywood de Axl era um campo de batalhas sem coração, um lugar de jogos e diversão de alto risco e beirando o desespero onde os perdedores acabavam na vagabundagem ou azuis e mortos, com um garrote, no chão do banheiro. A canção que Axl começou a escrever durante o que a banda chamou de a Turnê do Inferno eventualmente tornou-se “Welcome to the Jungle.”
O GN’R não tinha dinheiro e nenhuma maneira de voltar a Hollywood. Eles estavam tão longe de casa que mesmo a Los Angeles degenerada, poluída e fadada a um terremoto parecia uma “Paradise City”. Duff lembra-se que “eventualmente, conseguimos serrar uma carona de volta pra Los Angeles com essa mina, que era uma viciada. Foi horrível. O bom é que foi ali que a banda se juntou. A gente se uniu.” Pela primeira vez, Duff pensou, “Isso é pra valer.”
Izzy: “Do dia que voltamos a Hollywood, era como se o que fosse acontecer, nós estaríamos unidos nesse conflito contra qualquer porra de coisa! O lema do Guns N’ Roses, desde então, tem sido ‘Foda todo mundo antes que eles fodam você!’ Foda-se o mundo inteiro – vamos apenas continuar andando pra frente.”
Izzy achou que a "Turnê do Inferno" tinha sido um ritual de passagem para a banda. Eles tinham sofrido juntos. Eles tinham passado sede no deserto. Era bíblico pra caralho. Eles podiam ter morrido. Eles foram péssimos em Seattle e tinham sido rejeitados. Eles se arrastaram de volta, derrotaram um pelotão, sem um puto nos bolsos. Mas daí, após a humilhante aventura, após terem estado na estrada e terem comido merda, a selva de malandragem da cena rock de Hollywood não parecia tão ruim. Ao contrário, parecia ser um lar.
Axl Rose estava agora finalmente convencido de que o Guns N’ Roses era a banda dele. Pouco depois, ele disse a um entrevistador, “Nós passamos por tantas pessoas diferentes. O Guns acabou sendo as pessoas nas quais nós mais acreditávamos. Nós acreditávamos uns nos outros. Nós éramos como uma família.”
Depois de Seattle, O GN’R ensaiou por alguns dias em um estúdio semi-profissional no distrito de Silver Lake, de propriedade do músico local Nicky Beat. De acordo com Slash, “foi ali que a banda finalmente se entrosou”, trabalhando nas músicas de Izzy “Think About You”, “Don’t Cry” e “Out Ta Get Me”. Eles também trabalharam nas versões rudimentares de “Rocket Queen” e “Welcome to the Jungle”.
Logo Izzy alugou um espaço embolorado pra banda ensaiar – mas sem lugar algum pra passarem a noite, a maioria da banda começou a morar lá também. Na cabeça de Izzy, o Guns N’ Roses tinha subido um pouco na vida.
O novo quartel-general era uma pequena área de estoque, do tamanho de uma garagem pra um carro, atrás do número 7500 da Sunset Boulevard. O aluguel era de 400 dólares por mês. As dimensões do local mal chegavam a 6 metros e meio por 4 metros, com espaço suficiente apenas para um sofá (afanado das coisas de um cara morto encontradas na rua) e o pouco equipamento que eles possuíam. Izzy e os roadies roubaram madeira de uma construção nos arredores do local e construíram um cômodo que tinha área suficiente pra que três roqueiros mal-nutridos dormissem.
O armazém deles tinha uma porta que dava prum beco que o município e Los Angeles designou oficialmente como Lote Número 619. Era próximo ao cruzamento entre Sunset [Boulevard] e a [rua] Gardner, numa vizinhança musical que incluía o [a notória loja de guitarras] Guitar Centre e várias lojas de instrumentos novos e usados incluindo a Sam Ash e a loja dos amplificadores Mesa/Boogie, e vários negócios cruciais para apoio, como o [ateliê de tatuagem] Sunset Strip Tattoo, o [restaurante] Sunset Grill, o Mory´s Pizza e a “Fina Comida Mexicana” do El Padre. A vizinhança cozinhava sob o sol da Califórnia, em meio a outdoors luminosos, altas palmeiras-reais e as áridas colinas de Hollywood, em forma de cone.
Não havia banheiro, chuveiro, cozinha ou ar-condicionado, e o calor do verão era de matar. Izzy descrevia o lugar como “uma porra de inferno ainda em vida”. Slash odiava-o. Às vezes, apenas para fugir do buraco, ele dormia logo mais adiante na mesma rua, no estacionamento da [loja de discos] Tower Records. “Eu trepava com garotas”, ele disse a [revista] Rolling Stone “só pra poder dormir na casa delas”.
“A gente não tinha um puto furado,” Duff lembrou-se, “mas sempre dávamos um jeito de arrumar um trocado e ir até a loja de bebidas pra pegar uma garrafa de [vinho] Night Train que ia te zoar, ao custo de um trocado. Por cinco dólares nós todos ficávamos chapados. A gente vivia dessa porra.”
“Nosso estúdio era basicamente uma porra duma cela de cadeia,” disse Slash, “mas, meu Deus, como a gente tirava um som bom nele! Somos uma banda alta, e não comprometíamos o volume por nada.” Eles tocavam com um par de amplificadores Marshall naquele cubículo, e dava pra ouvir tudo a quarteirões de distância.
Foi aí que o GN’R começou a ter festas sem parar no beco do lado de seu recanto. Izzy administrava seu negócio de heroína de dentro do local, que a banda decorou com pôsteres, fotos de mulheres peladas, pornografia, panfletos e qualquer coisa que eles conseguissem achar. O movimento deles atraiu, de imediato, garotas chegadas a uma farra, algumas delas jovens demais, muitas vestidas com bustiês de renda, saias de couro apertadas e meias arrastão típicas daquela época. As garotas, por sua vez, atraíam caras de outras bandas e garotos que queriam parecer que estavam numa banda. Músicos, cafetões, marginais, traficantes e artistas de rua e atores começaram a chegar. Em algumas noites, como no verão de 1985, davam nos nervos, multidões barulhentas de garotos festeiros se acotovelavam no Lote Número 619 enquanto o GN’R ensaiava do lado de dentro. Logo, toda a bebedeira, uso de drogas, fumo, prostituição e música extra-alta começou a chamar a atenção dos gambés de Los Angeles e dos departamentos de polícia de West Hollywood. Jovens começaram a dizer que tinham sido molestadas. Adolescentes do Vale de São Fernando (ao norte de Los Angeles) afirmavam terem sido assaltados. Sirenes de ambulância perfuravam as calmas noites de verão para atenderem casos de overdose. O Guns N’ Roses começou a ganhar uma certa reputação negativa nas delegacias de polícia da região.
“Nós vendíamos drogas”, Izzy admitiu mais tarde. “Nós vendíamos garotas. Se um dos caras estivesse comendo uma garota no nosso quarto de dormir, a gente roubava a bolsa dela enquanto ele estivesse trepando. Dávamos um jeito.”
Axl concordou. “Havia muita meteção, dentro e fora. Rolava sexo nos carros. O povo aparecia a toda hora, e a gente convencia as mulheres a entrarem no nosso quarto, e daí alguém apagava as luzes e dizia ‘muito bem, todo mundo no quarto – ou tira a roupa ou vai embora’”.
Para cada garota enganada pela banda, três outras apareceriam na noite seguinte – loucas pra dar. E banda tinha sua própria mesa semi-reservada no [restaurante/cantina mexicana] El Compadre na Sunset Boulevard. “A gente costumava sentar no canto,” Slash sussurrou para o jornalista Mick Wall depois, “porque era o melhor lugar para ganhar um boquete por debaixo da mesa sem que ninguém no saguão percebesse. Ou a gente as levava pros banheiros na parte de trás.”
Quando estava exausto ou chapado, Izzy gostava de deitar no apertado e estreito espaço atrás do sofá encharcado de urina e a parede infestada de baratas do prédio. Um amigo da banda lembra-se que Izzy ficava perdido por lá, às vezes por dias a fio. “Você só via que a cabeça dele aparecia ocasionalmente para ver o que estava rolando. Eu dizia “Izzy, você está beleza, cara? Ele respondia ‘Ah, sim’, e depois desaparecia de novo.
Aos sábados, o Exército da Salvação dava comida de graça para os sem-teto e os indigentes de Hollywood na missão deles localizada na [Rua de Los Angeles] Vine Street. O Guns N’ Roses estavam lá freqüentemente, na fila com os vagabundos, viciados, preguiçosos e vadias locais. Duff McKagan preferia a feira na Rage, um notório bar Gay de Hollywood que tinha um bufê às cinco horas do qual os GN’R eram assíduos. Todos eles adoravam o Rage. “Você tinha toda a comida que conseguisse comer por um dólar,” Duff lembrava-se. “Você contraía a bunda e comia. Eles tinham uma lula frita deliciosa.”
Axl: “Num certo ponto, tinha a banda e quatro mulheres morando nesse quarto pequeno. O banheiro mais próximo tinha sido destruído por pessoas vomitando. Eu cagava numa caixa e jogava no lixo porque o banheiro era nojento demais.” Esse cenário todo é também onde o lendário buchicho sobre o Guns N’ Roses começou a surgir nas ruas. As pessoas conversavam sobre a parada louca, perigosa, que rolava na Sunset com a Gardner – o supermercado de sexo e drogas e rock n’ roll, algo baixo sujo e vivo.
A banda vivia como porcos, bebia demais o tempo todo, não fazia sexo seguro, não se preocupava com a AIDS, traficava heroína abertamente. Eles iam a casas noturnas, faziam com que as pessoas pagassem bebidas para eles e agiam como cretinos. “A gente saía à noite”, Axl disse “aniquilados, pra passar panfletos e apenas certificarmos-nos de que todo mundo no lugar ficasse sabendo que estávamos lá.”
Axl amava ser um marginal excluído. Ele curtia o romantismo da boca do lixo. Cinco anos depois, ele recordava, “Todo fim de semana, a maior festa de Los Angeles era no nosso pedaço. A gente tinha 500 moleques espremidos no beco e nosso antigo roadie estava vendendo cerveja gelada a um dólar cada em sua caminhonete. Era como se fosse um bar. Pessoas mais velhas compravam whisky pra galera mais nova. Se houvesse algum problema com alguém, ele seria posto pra fora. A gente arrastava eles no beco pelos cabelos, arrancava a roupa dele e largava na rua. A gente fazia o que queria, pelo menos até os gambés aparecerem.”
“Éramos como uma gangue,” Steven confirmou. “Era assim que nos considerávamos. A gente toca rock, e a gente vai acabar com você.” O que as pessoas esquecem sobre o local de ensaio notoriamente decadente do Guns N’ Roses é que eles realmente conseguiam ensaiar lá. Duff e Steven tocavam juntos quase todo dia, acompanhando temas funk do Prince e Cameo – em especial, “Word Up” do Cameo - arrancando batidas hard rock que quase tinham swing, uma extrema raridade entre as bandas de Los Angeles daquela época. Duff depois diria que “Rocket Queen” foi amplamente baseada na batida do Cameo.
A agente de shows deles, Vicky Hamilton, conseguiu ficar mantendo o GN’R nas casas noturnas tocando como banda de abertura ao longo do verão de 1985. No dia 28 de junho eles tocaram no Stardust Ballroom no cruzamento de Sunset com Wilton. Em julho, eles estavam trabalhando no Raji’s, um pulgueiro em Hollywood. Slash tinha cheirado farinha demais e estava batendo carreiras atrás de seus amplificadores.
Eles abriram para o Poison por várias vezes, uma banda que o GN’R criticava por serem falsos e “glam” de caso pensado, da maneira errada, eles achavam que era o tipo de banda que dava uma má reputação ao movimento. O vocalista do Poison, Brett Michaels, retaliou, falando mal do GN’R no palco.
Uma vez, depois de Michaels ter xingado o GN'R, Axl confrontou-os nos bastidores e disse a eles, cara a cara que eles eram uma merda. O baixista [do Poison] Bobby Dall, cuja banda já tinha um contrato com uma gravadora, respondeu: “Talvez sim, porra. Mas você tem que ser um merda nesse tipo de negócio algumas vezes – e vocês nunca vão dar certo nele.”
O GN’R tocou abrindo para algumas outras bandas num evento beneficente de Hollywood, organizado por Jerry Lewis, o “Jerry’s Kids”, no dia 30 de Agosto, no Stardust. O Poison fechou a noite, que também contava com Ruby Slippers, The Joneses e Mary Poppins. No dia seguinte, o Guns N’ Roses tocou no teatro Roxy na Sunset [Boulevard] pela primeira vez.
O Roxy, junto com o Whisky [a Go-Go, outra decana casa de shows de Los Angeles], eram a maior vitrine da Sunset Strip, onde as bandas visitantes faziam shows pequenos para os fãs e pra executivos da indústria musical. Vibrando de adrenalina com isso, o Guns N’ Roses tocou alto e rápido, com Slash correndo pelo palco, seus cabelos voando, numa poça de suor e acordes poderosos e maliciosos. As pessoas presentes disseram que era o melhor show que a banda já tinha feito. “Welcome to the Jungle”, dizia o próximo panfleto do Guns N’ Roses, para o show no Troubadour na sexta-feira, dia 20 de setembro. A canção autobiográfica de Axl já estava pronta então e já causava que as garotas gritassem quando o riff de Slash começava o show. A reputação da banda agora estava explodindo. Na hora que o GN’R subiu ao palco, às 11 da noite, a molecada no velho clube folk estava espremida feito um rebanho de bodes.
Também na mesma casa aquela noite estava o Poison, prestes a começar a gravar o primeiro álbum, "Look What The Cat Dragged In". O Poison cometeu um erro ao levar Ric Browde, que estava produzindo o disco, para ver o Guns N’ Roses naquela noite.
Browde e o Poison já estavam se estranhando quanto a como o disco deveria ser. “Não ajudou muito,” lembraria Browde mais tarde, “que na primeira noite que começamos a gravar, Bobby Dall, Brett Michaels, CC de Ville [guitarrista da banda] e eu irmos ver essa banda sem contrato no Troubadour, e eles simplesmente me maravilharam.” Mais tarde, depois de algumas bebidas, “eu disse ao Poison que não importaria quantos discos eles vendessem, eles jamais seriam tão bons quando aquela banda sem contrato que tínhamos acabado de ver.”
O Guns N’ Roses dizia às pessoas que eles simplesmente queriam tocar música e se divertirem e não se importavam em ter um contrato. Mas daí, como qualquer outra banda, o GN’R teve que mudar sua postura no que dizia respeito a gravar.
À medida que a comoção em torno deles continuava a crescer, as pessoas começaram a ver a autenticidade brutal do show deles, com Slash em plena fúria e Axl gritando de joelhos com seu rosto avermelhado de sangue e suas cordas vocais apertadas como cabos de aço em seu pescoço, os membros da banda começaram a aperceber-se de que eles não sairiam do circuito das casas noturnas até que assinassem um contrato para fazer um disco com uma das grandes gravadoras daquela época.
O GN’ R tocou de novo no dia 18 de outubro no Country Clube de Chuck Landy em Reseda [cidade californiana] e depois no show de Halloween da estação [Radio City] em Anaheim [cidade californiana nos arredores de Los Angeles]. No meio de novembro, começaram a aparecer os panfletos para a próxima apresentação do Guns N’ Roses, no Troubadour. Acima da foto da banda estava um novo logo desenhado por Slash. Era uma versão primitiva dos dois revólveres Magnum .44 cruzados, a famosa arma letal tornada famosa por Clint Eastwood nos filmes da série “Dirty Harry”. Os dois revólveres .44 eram entrelaçados por caules espinhosos de rosas estendidos ao longo de seus canos.
Os próximos shows da banda foram em janeiro de 1986. Depois da uma incandescente apresentação no fim de janeiro no [casa noturna] Roxy, a febre pelo GN’R começou a surgir com uma força implacável. Ninguém em Hollywood jamais tinha visto tamanho frenesi por causa de uma banda sem disco antes. Seis meses depois de vagarem pelo deserto, e ainda agora dividindo o tempo deles entre viver nas ruas a custa de bicos e dormindo no apartamento de Vicky Hamilton, o Guns N’ Roses parecia e soava como a “próxima grande banda.”
Hamilton agendava refeições com pessoas do meio fonográfico com todas as despesas pagas em todos os melhores restaurantes. Izzy adorava isso. “A gente fazia eles nos levarem para jantar por algumas semanas. A gente pedia toda aquela comida e bebida e dizíamos ‘OK, agora conversamos’”. O Guns N’ Roses começou a comer bem pela primeira vez em anos. De repente eram bifes de filé e o champanhe mais caro, lagosta vinda de avião do [estado americano] Maine e idas ao banheiro para reluzentes carreiras de cocaína peruana.
Slash: “A gente continuava sendo convidado a encontrar com esses idiotas das gravadoras.” Em um almoço com um relações públicas de uma elas, Slash descreveu o Guns N’ Roses como sendo um pequeno Aerosmith e Axl como sendo um pequeno Steven Tyler. “Daí a mina diz ‘Steve quem?’ A gente só olhou um pro outro.” Slash quebrou o longo silêncio, perguntando, “A gente pode pedir mais uma rodada dessas margaritas?” No ano anterior, David Geffen [fundador e então presidente da gravadora Geffen] tinha contratado o reformado e recentemente sóbrio Aerosmith – que ainda eram super-heróis para o GN’R - e agora Geffen, que assistia a MTV como todo mundo naquele ramo de negócios, queria uma banda de Metal de Los Angeles com cabelos armados e uma postura arrogante. Seus executivos – incluindo o mago Tom Zutaut, de 25 anos, que tinha sido tirado da Elektra, onde ele tinha contratado o Mötley Crüe – começou a falar do GN’R para Geffen.
Zutaut foi ver o GN’R novamente no dia 28 de fevereiro no Troubadour. Na quarta-feira seguinte, ele convidou a banda até sua casa na [rua de Los Angeles] Beachwood Canyon e tocou discos do Aerosmith pra eles a noite toda – “Toys in the Attic”, “Rocks”, “Draw The Line”, “Aerosmith Live”. Ele sabia muito do Aerosmith, em detalhes e sobre contos secretos – como o fato de que os deuses da guitarra Joe Perry e Brad Whitford não tinham tocado no segundo disco da banda porque o selo tinha considerado o som deles malicioso demais. Com o Aerosmith voltando à ativa pela Geffen, Zutaut disse ao Guns N’ Roses que eles deveriam estar na mesma gravadora também. Parecia lógico pra todo mundo.
“No dia seguinte”, disse Hamilton, “eles estavam animados, ‘Vamos assinar com a Geffen!’ Eu disse, ‘Vocês estão loucos? Todas essas gravadoras estão se matando por causa de vocês. Há um frenesi crescendo lá fora’. Axl só olhou pra mim e disse, ‘Nós vamos assinar com a Geffen’. Já era.”
A papelada levou algumas semanas pra ficar pronta, período pelo qual a banda passou fome e contraiu altas dívidas com seus fornecedores de drogas. Haviam outros problemas também: Slash não queria que seu nome verdadeiro aparecesse nos contratos; o nome verdadeiro de Axl ainda era William Bruce Bailey, e o selo não assinaria um acordo ou faria um cheque para alguém usando um nome artístico. Haviam questões sobre ordens de prisão pendentes contra Axl em [estado americano] Indiana por coisas como furto de veículos, agressão e faltar a audiências judiciais. Era uma baita e caríssima encrenca, mas os advogados tomaram conta de tudo isso.
O Guns N’ Roses deveria sacramentar o contrato nos escritórios da Geffen na manhã de 26 de março de 1986. Era uma bela manhã de primavera [americana], com arbustos florescendo e vegetação verde brilhando na beira das áridas colinas. Através das janelas do apartamento de Hamilton, com a serração ainda não dissipada para aquela manhã, as placas de gelo das montanhas de São Gabriel reluziam para o Leste sob a luz da manhã.
Mas as lentes de contato de Axl tinham sumido, fazendo o Guns N’ Roses se atrasar para um encontro de negócios crucial. Hamilton se lembra, “Axl acusava o Slash de pegar elas ou tirar elas do lugar, e daí ele saiu da casa.” Agora isso era problema de alguma outra pessoa. “Eu e o Slash apenas olhamos um pro outro e ele disse, ‘Nós temos que acha-las.’ Eu olhei pro relógio. David Geffen, Tom Zutaut e o presidente da empresa, Eddie Rosenblatt estavam todos esperando por nós, e agora a gente já estava atrasado uma hora. Eu tinha tido pesadelos parecidos com isso. Então olhamos em todos os bolsos das roupas de Axl e as achamos no chão.”
Slash olhou pela janela do apartamento de Hamilton. Logo abaixo na colina, Axl estava sentado de pernas cruzadas em cima do Whisky a Go Go, numa pose de meditação, olhando na direção contrária a eles, no sentido das colinas de Hollywood. O Whisky tinha sido fechado enquanto o prédio estava sofrendo reformas. Axl tinha subido pelo andaime.
Eles saíram e deram um jeito de tirar Axl de cima do prédio. Hamilton tinha alugado uma limusine, e todos eles entraram. Eles chegaram duas horas atrasados, mas o fechamento do contrato aconteceu. Slash estava listado como “Stash” nos contratos e no cheque feito a ele.
Ainda assim, era o sonho do rock n’ roll se tornando realidade pra eles. Rolhas foram estouradas de garrafas de bom champanhe.
Hamilton sabia da verdade: era o fim do GN’R daquela forma que eles tinham sido – uma autêntica banda de rua de Los Angeles. Ela já podia ver o que seria perdido e o que aconteceria. Ela disse que chorou no dia que o Guns N’ Roses assinou com a Geffen Records.
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